sexta-feira, setembro 30, 2005

O velho do Farol

Em um verdadeiro local paradisíaco, esta um velho farol. Com suas paredes brancas, sujas e amareladas pelo tempo, consegue manter sua imponência. Sua forma simples, não tira seu aspecto forte. Mesmo que em sua base, a massa feita de argila, areia e fezes de vaca, já tenha caído em sua maioria, deixando amostra sua real parede. Pedras. Pedras que o ergueram e fizeram história durante bom tempo. Pedras que o deixavam ainda com um aspecto mais maciço. Mas que deram lugar a massa e suas pinturas em branco.
Ele ficava em uma pequena borda, aonde em sua frente, grandes cascalhos faziam uma parede, para deixar o mar longe e do outro lado, areia, de uma pequena praia em formato de “U”. O lado onde fica o farol é um pouco mais extenso do que o outro.
Esta pequena praia, para quem não a conhecia, enganava como um bom local para se tomar um banho de mar. Mas neste pedaço, a areia descia rapidamente, fazendo com que a água, tivesse grande profundidade em poucos metros.
Por isto, eram ali, que dormiam os barcos, da pequena vila de pescadores que existia a poucos metros antes do farol.
Apesar de ser um lugar pacato, devido a sua beleza e de ser uma passagem para outra praia calma, o local era visitado por diversos turistas, bem como moradores de áreas próximas. Todos ao passarem por este local, veneravam o grande farol e como não podiam deixar de ver, um velho, sempre um pouco a sua frente, agachado em suas pernas, olhando fixamente para o mar.
O velho com seus poucos e brancos cabelos, de pele muito curtida pelo tempo em que fica exposta ao efeito do sol, uma camisa que, como o farol, já há muito não sustenta o branco, com apenas um ou dois botões, caída sobre uma bermuda de brin ou o que sobrou dela, com seus pés enfiados em um chinelo antigo de couro, parecia nunca sair do lado daquele “amigo” silencioso.
Ao nascer do sol, podia ser vista a silhueta do velho, já em sua conhecida posição. Da mesma forma que, ao por do sol, lá estava ele, a sumir junto com a claridade. A noite o farol já não funcionava e ali ninguém chegava perto. Mas muitos acreditavam que ele se recolhia na antiga casa da família, que ficava do outro lado da praia, no antigo local onde ficava a vila de pescadores. Ela mudara de lugar, devido a uma forte cheia do mar em que seus moradores perderam o pouco que tinham.
Muitos turistas ao passarem por ali, viam aquela figura que não se mexia. Alguns com a curiosidade de saber do que se tratava, outros com a imaturidade que alguém lhe deu, xingavam e praguejavam contra o pobre velho, que não revidava e que sequer olhava para quem quer que fosse. Ele fitava apenas o mar. O grande mar a sua frente.
Algumas pessoas tiravam fotos do farol, fazendo questão em que nesta, saísse o velho enquadrado. Ele não trazia nada consigo. Apenas seu olhar profundo, sua camisa, sua bermuda e seu chinelo, todos tão velhos quanto ele. Pela sua magreza, podia se ver que não se alimentava direito e sua pele apresentava diversas manchas negras. Fora o farol, somente o sol o acompanhava.
Em um dia, um senhor de aproximados quarenta e oito anos, chegou na vila dos pescadores. Trazia poucas coisas, além de uma bela máquina fotográfica. Blusão estampado e bermudão, faziam o quadro perfeito de turista. Em uma de suas mãos, trazia um pequeno objeto, parecido com um livro. Capa de couro marrom, com uma fita que lhe amarrava e o deixava fechado. Ele parou sob uma soleira e fitou o farol e a pequena figura, que estava a seu lado. Por alguns momentos, nada falou, não se mexeu. Apenas ficou olhando aquele quadro de tranqüilidade que estava de fronte as suas vistas. Como acordando de um sonho por um estalo olhou o objeto em suas mãos e caminhou até um jovem jangadeiro, que ali estava, acertando sua rede.
Perguntou onde morava a pessoa mais velha daquela vila e o jovem prontificou-se a apontar o casebre mais a frente. Era tão simples como qualquer outra da vila, mas ficava de frente a praia, bem como parecia ter um cômodo a mais do que as restantes. Pediu licença, se apresentou e aguardou que um matuto viesse com ele ter. Os dois sentaram em cadeiras que ficavam tranqüilas na frente da casa, formando com dois vasos grandes, onde o que se plantou, jazia já algumas semanas, uma pequena varanda, que ganhara uma cobertura de uma velha lona, que em sua aparência, trazia a certeza de já ter sido vela de jangada uma vez na vida.
- Venho lhe perturbar senhor, pois há muito tempo, venho para estes lados em minhas férias – falou o senhor, enquanto colocava o livro marrom ao lado, para pegar no bolso de sua camisa, óculos escuros. E a muito fotografo o mesmo farol. A primeira vez que vim a este lugar, tinha uns 10 anos. Vim com meu pai.
O matuto apenas escutava, enquanto mastigava tranqüilamente um pedaço de fumo de rolo.
- O que tenho em minhas mãos – mostrando o livro – é um álbum de fotografias antigo que ele me dera. E que no decorrer de todos estes anos, vim juntando várias fotos de vários locais por onde passei. Mas ao arrumá-las à alguns dias atrás, acabei me deparando com um detalhe que nunca me chamara a devida atenção. Tenho deste farol, exatas 43 fotos. Em todas elas. Todas, sem exceção, esta a figura de um homem, junto ao farol. No mesmo local, na mesma posição. Esta primeira foto – o homem desata o nó e abre o álbum, pegando uma foto bem amarelada – o senhor pode ver, que a um jovem abaixado um pouco a frente do farol e em todas as outras, pode ver uma figura, na mesma posição, hora um pouco a frente, hora um pouco atrás, mas na mesma posição. Ao chegar aqui, olhei o farol e ele esta lá. Lembro-me que quando jovem, cheguei perto dele e era um homem, mais forte do que hoje esta, mas não era um enfeite, algo para turista ver. Por isto estou aqui. O senhor sendo o mais velho, pode saber quem ele é.
Mudo até o momento, o velho inclinasse em sua cadeira, tentando buscar a vista do farol. Fica uns instantes nesta posição e depois se volta para seu interrogador. Mastiga um pouco mais de seu fumo, acaricia seu queixo com sua mão esquerda, como pensasse o que falar ou, simplesmente, estivesse puxando de muito tempo atrás, a lembrança sobre aquele velho homem perto do moinho.
- Seu nome é Francis.
Levantou os olhos para o céu, cuspiu o fumo, fitou o turista bem em seus olhos e perguntou com sua voz fraca – Por que se interessa por ele filho?
O homem não entendeu bem a pergunta, mas respondeu de forma tranqüila, que seu interesse vinha de poder ver que, ano sobre ano, aquele homem estava ali. E que pelo que tudo indicara, não era conhecidencia com os mesmos dias em que ele estivera ali.
- Ele ainda é um pouco mais velho do que eu – completou o matuto – mas eu me lembro muito bem dele. Também não podia deixar de lembrar. Temos um certo parentesco. Aliás, aqui nesta vila, quase todos somos parentes. – com esta conclusão, o senhor faz um pequeno som, como uma risada abafada.
- Alguém verifica se ainda esta vivo?
- Ele esta vivo, filho.
- Mas alguém verifica?
- Todo dia, minha filha deixa em sua cabana, um pedaço de pão e peixe. E todo dia sua vasilha esta vazia. Ele, quando a noite é mais noite e nem a lua clareia, retorna para descansar as vistas e comer de um pouco.
- Então o senhor sabe o que ele faz ali?
- Sim. Quando ainda era criança, com seus quatro anos, disse minha mãe, que a mãe dele sumiu no mundo. Parece que seguiu com um homem que aqui esteve, gastando aos potes. Todos falavam que era uma bela mulher e logo no primeiro dia em que o homem aqui chegou, deitou-se com ele, enquanto o marido estava em pesca.
O senhor pausa. Olha os dedos de suas mãos e continua:
- O pai era pescador muito bruto. Muito violento. Quando a mulher sumiu, tratava o filho pior do que cachorro. Disto eu já me lembro. Eu era pequeno e tinha uma bexiga. Bexiga que meu pai havia me dado, por ter conseguido em alguns peixes um bom trocado. Eu estava brincando e o chamara, assim como a outros moleques no tempo, pra brincar de chutar. O pai dele quando chegou de seu barco, bateu muito em sua cabeça. Torceu sua orelha de sair sangue e gritou que ele deveria estar limpando a casa. Por qualquer motivo ele batia nele e o chamava de retardado. E por tantas vezes, dizia que ele era o culpado da mãe ter ido embora. Por ter nascido idiota, ela não agüentava a dor da vergonha de ter de carregá-lo.
Mais uma vez ele se inclina, vislumbra o farol e retorna ao encosto da cadeira, como que procurasse ver, se o velho do farol pudesse escutá-lo.
- Ele realmente não nasceu muito bem. Nós, os outros meninos, víamos que ele era meio estranho. Mas sorria e brincava. Para nós, já era o bastante. Mas não para o próprio pai, que dizia que um dia, faria como a mãe. O deixaria.
- E deixou?
- Um dia saiu para pesca. Como sempre o fazia. Mas não retornou. Não era um dia de mar agitado nem traiçoeiro. Muitos dizem que o encontraram para lá destas bandas. Mas desde então. Todo dia, dia após dia, ele fica de frente para o mar, esperando que este entregue o seu pai. Não sei se ele sabe contar o tempo. Mas no começo sempre ficava rezando. Mas depois de alguns anos a reza acabou. Assim como as lágrimas. Não sei se deixou de acreditar em Deus. Não sei se as palavras sumiram de sua cabeça. Só sei que todos o deixaram com a sua dor. Com o seu silêncio. Alguns no começo, tentaram o fazer esquecer. Mais era muito menino. Muito criança. E era meio bobo. Só chorava e queria o pai. E ninguém queria para si, um filho que não era dele. Uma boca a mais para alimentar e principalmente, um garoto abobalhado. Então, lá ficou.
Havia pesar nas ultimas palavras daquele senhor. Como se, ele sendo mais velho que o velho do farol, este pudesse fazer algo, para tal história ser diferente. Olhando o álbum em suas mãos, o interrogador somente se levantou, agradeceu, girou em seus calcanhares e iniciou seu caminho de volta. Sua idéia era fazer exposições e trabalhar aquelas imagens de todas as formas possíveis. Mas aquele homem já sofrera demais em sua vida. Não precisava de mais um a atormentá-lo. Pois era o que ele vivera a vida inteira. Seja sob sol, chuva, calor ou frio. A tormenta de olhar o mar todo dia, do amanhecer à noite, não pela beleza do lugar, mas pela tristeza de seu coração. Não havia poesia, não havia dia. Só havia a dor. De acreditar que de tudo de ruim, culpa dele assim era. Por ter nascido bobo. Por não ser como os outros. Por ser como ele.

sexta-feira, setembro 02, 2005

Sem Medo

Todas as manhãs, a dúvida, o desconforto.
É incessante a busca por justificativas, por respostas, que dêem sentido às coisas que vêem realizando.
A complexidade da vida não pode ser resumida num cotidiano enfadonho e chato, regado de regras e tabus sociais que não lhes traz a devida satisfação pessoal e que não explica a razão de sua existência.
A pergunta: você está feliz?
Deixe esta pergunta ecoar e repercutir em todo seu ser.....
Pense um pouco, analise....
Verifique tudo o que tem tido, lido e feito ultimamente.
Lembre dos encontros e desencontros, das surpresas, das aflições, das injustiças, lembre do amor e da sensação de estar enamorado.
Pense na família, nos amigos próximos, pense na saudade, na ausência, na carência, dos belos sorrisos de infância.
E agora, pesado tudo isso: você está feliz?
Eis o desconforto e a dúvida.
Não sei em qual medida esta felicidade está sendo questionada. Em qual nível.
Estamos falando da felicidade palpável, porém questionável, refletida pelas aquisições materiais?
Ou estamos falando do inatingível, do inócuo, daquela alegria e entusiasmos adolescentes e inexplicáveis?
Como se atinge este nível de desprendimento e despretensão que possibilita enxergar de maneira otimista as mais variáveis mutações do ser humano?
Sim, mutaçãoes que resultam em atitudes e reações assoberbadas e absurdamente invertidas de valores, tendo em vista que a felicidade se encontra na sutileza e na simplicidade dos que vivem sem medo?
Que medo?
O que nos cega, o que no segura, o que nos paralisa, o que nos faz agir com ressalvas e receio perante os outros.
O medo que nos empurra pro fundo, que nos faz regredir, que nunca nos levanta, não nos faz crescer e nos impede de ver o outro como alguém que tem alguma coisa para nos dar.
Qualquer coisa é aprendizado. Tudo é aprendizado.
Sorrir com as desgraças?
Não, ninguém é louco, não sejamos extremistas, e, apenas, podemos ficar em casa, na suposta segurança de nossa casa, esperando por um mundo melhor, com menos violência, mas justiça, maior liberdade, mais respeito, mais consciência, mais amor?
Digamos que todos façam o mesmo, e fiquem em casa, quem vai promover as mudanças?
Elas vêem de dentro pra fora, a felicidade só será alcançada de maneira individual, quando descobrirmos que nos bastamos, que somo únicos, que nosso corpo é nossa casa, nosso santuário. E que se eu me vejo de maneira dúbia, atravessada, prejudicada pelas normas, como posso querer que os outros me vejam melhor, diferente?
E novamente a pergunta: Você está feliz?
Creio que o que vai determinar sua resposta é uma segunda pergunta:
Você tem medo?
E isso resume tudo: quer ser feliz?
Viva sem medo!