quarta-feira, março 02, 2005

Mulheres que conheci por uma noite - I

A moça do galhinho de samambaia na cabeça.

Nunca soube o seu nome, a bem da verdade, tudo o que eu sei sobre ela é fruto da minha imaginação e das agradáveis lembranças que guardei dessa pessoa enigmática.

Quando a vi pela primeira vez, eu estava em uma fila para entrar em uma rave. Ela era a "promoter" da boate improvisada em uma casa à beira da praia. Organizava a fila, distribuía "flyers", cortesias, barrava não VIP´s da fila VIP e prestativamente convencia os demais turistas a entrarem na festa, que realmente estava muito animada.

Dois olhos claros, uma pele macia, cabelo liso, vestido bem solto, com temas de Bali, sandálias de tiras finas de couro e, um toque final: um raminho de samambaia na cabeça, a segurar um coque.

Impossível não perceber o ar de superioridade ao olhar para mim, bem como para todos as outras pessoas que estavam na fila da boate, aguardando a hora para entrar. Aquele olhar em que se traduz: "Eu posso entrar na boate a hora me que eu quiser, quando quiser, sem enfrentar fila alguma." Ou então: "Eu posso fazer com que você não entre aqui!"

Atônito pela sua demonstração de poder e embriagado pela sua beleza, comecei a imaginar sua vida. De plano, eu a imaginei saindo de casa, se arrumando para mais uma noite de trabalho. Deve ter ficado indecisa com qual brinco usar. Ficou de mau humor. Trancou a casa, largou uma lâmpada acesa, teve que voltar e apagar a lâmpada. Xingou bastante, quebrou a unha na fechadura de casa, xingou mais ainda. A chave cai, xinga mais ainda. Olha para o chão e vê um ramo de samambaia, quebra um galhinho e coloca no coque que fez. Agora sim! Sai de casa muito feliz!

Decerto tem um namorado. Sim. O DJ da festa deve ser o namorado dela. Uma mulher tão bonita não pode estar solteira. É por isto que ela está trabalhando na festa. É um jeito de ficar de olho no namorado.

A festa foi razoável, com dois pontos merecedores de destaque: O primeiro foi a presença de duas mulheres, mãe e filha, uma com mais cara de piranhuda do que a outra. É bem provável que imaginá-las, as duas na cama ainda possa me render um outro texto, quem sabe. O segundo foi o fato que arreguei para um copo de Campari. Não entendo como aquela bebida pode não descer bem.

De qualquer forma, já com o dia raiando, e frustrado por não conseguir levar nenhuma mulher para a minha cama, muito menos a mãe e a filha piranhuda, saio da festa determinado a matar a fome e a minha frustração. Parei então em uma lanchonete.

Estava com um amigo, grande companheiro de viagem quando decidimos "fazer um som", pegamos o violão, apelidado carinhosamente de Frank Sinatra e começamos a tocar. Obviamente começou a juntar gente ao nosso redor. Choveram então pedidos de músicas:

- Toca RRRRRRRRRaaaaaaaaaaauuuuulllll!
Ok. Raul Seixas...
- Toca Chão de Giz!
Ok. Eu desço desta solidão / Espalho coisas sobre um chão de giz
- Toca Chão de Giz com ritmo de rock and roll!
Ah! Vai tomar no...

Foi quando uma voz doce, invadiu a lanchonete e perguntou:

- Você sabe alguma música do Geraldo Azevedo?

Dona da minha cabeça / Ela vem como um carnaval...

Era ela! HA! ERA ELA! Foi quando começamos a tocar algum forró e ela me chamou para dançar. Logo eu, tão desajeitado quanto um pavão no cio. Trouxe o seu corpo junto ao meu, segurei seus cabelos e senti seu cheiro. Começamos a dançar... obviamente ela percebeu que dança não é o meu ponto forte. Desejei que ela um dia lesse algum texto meu. Achei melhor, no intuito de evitar um vexame de maiores dimensões, beijá-la. O beijo não saía. Não consegui sequer TENTAR beija-la. Foi então que ela começou a chorar.

Não entendi nada. Porque choras, perguntei. Respondeu que não era nada, insisti e me disse: Os homens só estão interessados em me usar. Só querem me comer! Ninguém quer me levar a sério.

Deu-se então um nó em minha cabeça. Ora, ora. Não tentei beijá-la, não passei a mão em sua bunda, não a agarrei, não fiz nada. Porque diabos essa mulher estava chorando?

Foi aí que imaginei, que ao sair de casa, além de escolher a roupa, apagar a luz e trancar a porta, ela provavelmente se despediu do filho, que deveria ter algum nome indígena e que ficara aos cuidados da avó, pois ela tinha que trabalhar na boate para complementar o pouco dinheiro que ganhava fazendo tatuagem de henna nos turistas durante o dia pela praia. Foi aí que percebi, que aquela criatura linda, poderosa e intrigante, é uma sofredora.

Tive vergonha de mim mesmo ao perceber que queria dela exatamente o que todos os homens também queriam. Mas ora bolas, como ter vergonha de algo que habita o inconsciente coletivo, sem falar é claro, de que não tenho culpa alguma de me encontrar enfeitiçado por uma mulher tão bonita. Ou por uma bunda tão gostosa.

Já passaram das oito horas da manhã e começou a cair uma chuva. Hora de recolher o violão, acabar com a cantoria e ir todo mundo para casa. E foi assim que tive a última lembrança dela, a garota cujo nome nunca saberei, mas o raminho de samambaia nunca esquecerei, andando pelas ruas molhadas de chuva da Bahia.